Luís Osório no seu ‘Postal do Dia’, na Antena 1, fez uma homenagem a Marco Paulo, que luta contra (mais) um cancro. O cantor alentejano está muito débil nesta altura.
O cantor alentejano, recentemente, assumiu, “Penso que não queria deixar a minha família, os meus amigos, e quando cá vêm dá-me sempre a ideia que é uma despedida. Penso que é uma despedida. Falar com vocês… Tudo isso faz parte da minha vida, foram muitos anos. As pessoas vão ter muitas saudades minhas e eu também vou ter”. TUDO AQUI
CRÓNICA DE LUÍS OSÓRIO
“Só vi Marco Paulo ao vivo uma única vez e não foi há muito tempo. Perto do Natal de 2021 comprei bilhetes para o Campo Pequeno e fui. A minha ideia era despedir-me. O cantor não estava nada bem de saúde e jurar a mim próprio que o faria pela minha avó Joaquina. Era o mínimo. A avó venerava-o.
E eu venerava-a e venero tudo o que ela me deixou. Recordo-a como se fosse hoje, a trabalhar na sua máquina oliva, fazia sutiãs, toda a minha juventude a vi sentada, sutiã atrás de sutiã, sutiãs de todas as cores, de todos os tamanhos e para todos os gostos. A minha querida Joaquina quase nunca parava, trabalhava até chegar a noite e a novela. E só parava quando na televisão surgia Marco Paulo mais as suas canções. Não achava piada ou tenho dois amores, mas adorava a mulher sentimental, não gostava de dar as imanias, mas adorava o ninguém, ninguém ou o mais e mais amor. Marco Paulo está muito doente, é provável ele próprio o diz que um dia destes precise de partir.
E eu quero agradecer-lhe por ter estado, por ter cantado as canções que uma parte do país desejou ouvir e fez a suas. Por ter sido do povo mais humilde, das mulheres que o viram como um filho ou como um amante impossível ou apenas como alguém que soube sempre estar próximo, que se ofereceu às pessoas como se lhes pertencesse. Nessa medida foi sempre mais do que um cantor, pertencia ao povo mais humilde, às que trabalharam de sol a sol, que limpavam as casas dos outros, que cuidavam dos filhos ou aturavam os maridos depois das tascas, ou da bola.
Marco Paulo foi sempre o cantor das mulheres que ninguém ouvia, das apelidadas de sopeiras pelas elites, das pouco consideradas, das que ninguém respeitava. Os seus espetáculos eram bonitos por isso, porque de repente havia gente que chorava sem que se percebesse de que chorava, gente que o venerava sem que soubéssemos a razão para tão profunda veneração. Mulheres que punham a sua roupa de domingo, a sua roupa posterior para o ouvir e quem sabe para que notasse a sua presença.
A razão era ele, Marco Paulo, um homem sem idade que obrigava a minha avó a parar de fazer o que sempre fazia para o ouvir. O cantor de tantas mulheres que só o tinham a ele, o que não era de mais ninguém, só delas. Foi por tudo isto que o fui ouvir e aplaudir, por ser do povo, por ser oferecido na totalidade, nos ter oferecido tudo o que tinha e esse tudo não foi pouco.”
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