Geral

Fogo posto: crime, castigo e dúvidas que queimam. Tudo sobre o crime de incêndio

Quando o fogo destrói florestas, casas e vidas, o Código Penal entra em cena...

Portugal volta, neste verão quente de 2025, a enfrentar um velho inimigo. O som dos helicópteros no ar, o cheiro a fumo que chega às cidades e as imagens de aldeias envoltas em chamas voltam a marcar a paisagem e a memória coletiva.

“O incêndio florestal não é apenas uma tragédia ambiental, é também uma realidade jurídica complexa, que exige respostas firmes e bem enquadradas na lei”, sublinha o advogado Pedro Nogueira Simões, na sua crónica à Nova Gente.

As estatísticas ainda estão a ser contabilizadas, mas a dimensão da destruição já é evidente: milhares de hectares consumidos, habitações destruídas, ecossistemas irreversivelmente danificados e, tragicamente, vidas humanas perdidas. É neste contexto que se reaviva a discussão sobre os instrumentos legais para punir e prevenir.

Pedro Nogueira Simões recorda que, “nos termos do artigo 274.º do Código Penal, o crime de incêndio, quando praticado em espaço florestal, pode levar a uma pena que vai dos três aos doze anos de prisão na forma qualificada”. Explica que “o tipo base exige dolo, ou seja, vontade ou aceitação consciente do risco, e admite modalidades como o dolo direto, necessário ou eventual. A qualificação da infração depende dos perigos criados e dos danos efetivos”.

Fogo posto: crime, castigo e dúvidas que queimam. Tudo sobre o crime de incêndio
Fogo posto: crime, castigo e dúvidas que queimam. Tudo sobre o crime de incêndio

Leia também: TVI quebra jejum e domina audiências durante cinco dias seguidos e ‘rouba’ SIC

Para os casos em que não há intenção, mas sim descuido ou imprudência, o enquadramento muda: “O artigo 276.º trata das formas negligentes, puníveis até três anos de prisão ou com multa. A lei, aqui, é clara, mas a aplicação nem sempre é simples, sobretudo quando a autoria é difícil de provar”, acrescenta o advogado.

A dificuldade de identificar responsáveis é, aliás, um ponto sensível. “Há uma tensão permanente entre o princípio da culpa e a necessidade de prevenção geral. Não podemos punir com base em indícios frágeis, mas também não podemos ignorar que, sem responsabilização, a sensação de impunidade cresce”, alerta Pedro Nogueira Simões.

E quando o fogo mata? É possível falar em homicídio? O advogado explica que a jurisprudência portuguesa ainda não é unânime: “Há decisões que admitem o concurso real entre incêndio e homicídio qualificado, sobretudo quando fica demonstrado que o autor aceitou o risco de matar. O Acórdão da Relação de Coimbra de 18 de julho de 2019 é um exemplo claro: o tribunal entendeu que, ao atear fogo junto a habitações, com vento intenso e sem qualquer possibilidade de controlo, o arguido aceitou o risco de causar a morte, configurando dolo eventual.”

Leia também: Dalila Carmo ataca Primeiro-Ministro: “O país está a arder. Onde é que o senhor está? Temos muita vergonha.”

No entanto, nem todos os tribunais seguem essa linha. “Outras decisões optam por absorver o resultado morte no crime de incêndio agravado, invocando o princípio da consunção. Este é um debate aberto entre penalistas e continuará a gerar discussão, enquanto não houver um entendimento pacífico”, comenta o jurista.

No final, Pedro Nogueira Simões não deixa de lembrar que, “para além do castigo, o verdadeiro desafio é a prevenção, e isso passa por políticas florestais eficazes, educação cívica e um sistema de resposta rápida que impeça o fogo de se transformar numa sentença coletiva”.

Publicidade

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

Botão Voltar ao Topo