Gustavo Santos coloca um ponto final com «carta aberta à opinião pública»
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Depois da enorme onda de contestação que causou a opinião de Gustavo Santos sobre o atentado em França, o apresentador do programa ‘Querido Mudei a Casa’ resolveu utilizar o seu blog ‘Arrisca-te a Viver’, para escrever uma ‘carta aberta à opinião pública’. Recorde-se que o quadro da TVI tinha dito que «Liberdade de expressão é uma coisa, desrespeito gratuito e egóico pelas mais altas crenças dos outros, sejam elas quais forem, é outra. Infelizmente, um e outro ponto colidiram hoje. Que uns sejam apanhados e severamente julgados pelo que fizeram e que outros, os que tiveram sorte e ficaram, assim como tantos outros que fazem carreiras a ridicularizar a verdade de quem não conhecem de lado nenhum, aprendam alguma coisa com isto! Opinar sim, questionar também, agora gozar sistematicamente com convicções alheias é que me parece despropositado. Além disso, sempre que desrespeitamos alguém desta forma, estamos a trazer uma potencial ameaça para a nossa vida!».
CARTA ABERTA À OPINIÃO PÚBLICA
Na sequência da enorme cascata de opiniões em torno da minha pessoa nas últimas vinte e quatro horas, ao destaque exacerbado que vem sendo dado por anónimos e até pelos media e à profunda manipulação relativamente ao conteúdo daquilo que afirmei sobre o que infelizmente sucedeu em Paris, nomeadamente na redação do satírico “Charlie Hebdo”, venho por este meio apresentar algumas notas e levantar algumas questões que me parecem vitais para o esclarecimento de uns e para a consciência de outros.
Como primeira nota, até porque seria insensato da minha parte pensar que tantas pessoas sofriam do mesmo grau de loucura (embora acredite piamente que metade das pessoas que se dirigiram a mim em modos esquisitos não tenham lido o “post” na íntegra ou feito qualquer esforço para interpretá-lo para lá de uma visão primária, deixando-se unicamente levar pela maré de asneiras e por aí adiante), gostaria, desde já, de assumir que aquilo que escrevi na tarde de ontem podia, e devia, ter sido mais afinado. Quando o partilhei, fi-lo unicamente focado no que seria perceptível para mim e para quem vibra na mesma consciência que eu. Nesse sentido, podia ter feito melhor. Sabia fazê-lo. Deixei-me levar pelo que estava a sentir e esqueci-me de que estava a falar para milhares de pessoas com crenças e visões diferentes das minhas. O conteúdo é, na minha opinião, intocável, no entanto, a abordagem podia e devia ter sido outra.
Como segunda nota, gostaria de afirmar peremptoriamente que sou pelo amor e nunca pelo ódio e que este ato hediondo é uma profunda tristeza para uma sociedade que se quer livre, não só na expressão, mas também no ser.
A minha terceira nota surge da necessidade de esclarecer o que talvez tenha ficado por dizer, embora nunca me tenha saído do pensamento. Um radical não é uma pessoa como nós. Não pensa como nós, não sente como nós, não vê o que nós vimos, não alcança o que nós alcançamos. E é neste sentido que me sinto frustrado com os profissionais do “Charlie Hebdo” pelo sucedido. Eles eram os únicos que podiam ter evitado este massacre porque eram os únicos com uma consciência de mudança. Um fundamentalista não é consciente a este nível. Não há sequer um vislumbre de mudança na cabeça de um radical. Ele só tem uma verdade. É a dele e tudo o que for contra a dele, é para ser arrasado. Todos nós sabemos disso. O mundo sabe disso. Aquela redação também o sabia. Se estou de acordo? Não. Claro que não. Acho nojento e de uma frieza atroz, no entanto, o que para nós é impensável, para eles é o fulgor de uma vida. Se tiverem de morrer, pois vingaram o seu Deus, que assim seja.
Tudo o que fiz, e o que muitas pessoas fizeram, embora não tenham sido capazes de o assumir, foi colocar-me na cabeça deles. Sim, colocar-me no lugar deles. O que pensariam ao ver, semanalmente, atentados (sim, para eles são autênticos ataques; não são cartoons humorísticos) contra as suas leis, contra o seu ídolo, contra a razão do seu viver? O que sentiriam ao testemunhar tamanha falta de respeito? O que lhes apeteceria fazer perante tudo isto? Dá que pensar, certo? E se não der é porque continuas na tua cabeça e a ver apenas a tua verdade. Agora, colocar-me no ponto de vista deles, não quer dizer que os defenda. De modo algum. É desumano. Apenas apelei à minha consciência e a minha consciência diz-me que aquilo que fizeram é normal para eles. Enquanto uns choram a morte de entes queridos, outros regozijam-se pela vingança consumada. É dilacerante. O desafio que temos pela frente, e é a essa aprendizagem que me refiro na dita publicação, é que a nossa verdade pode chocar, e de forma trágica, com a verdade dos outros, como tal, devemos ser tremendamente responsáveis quando a passamos, muito mais se nos dirigimos a comunidades desta natureza.
O ataque a que a redação foi alvo anos antes era já um forte sinal do que poderia acontecer. Se tinham de deixar de ser quem eram? De fazê-lo? De respeitar a sua linha editorial? Não, claro que não. Mas podiam ter-se prevenido, sendo, e por exemplo, escusadas determinadas formas de ostentação da sátira pelo próprio diretor e caricaturistas como se prova em inúmeras fotografias. Para assumir uma conduta é preciso assumir também a responsabilidade e os riscos da mesma. Resumindo, é uma pena. Perderam-se vidas, destroçaram-se famílias por questões do foro do ego. Uns profundamente exacerbados e outros, porventura, distraídos. Mas isto não se passa apenas naquela cultura nem se passou apenas em Paris. Isto é um problema social, pois há radicais nos mais variados sectores da nossa sociedade. Lá é exacerbado, estamos todos de acordo, pois até se decapitam e amputam uns aos outros, mas aqui, sim no nosso Portugal, também já se assistiram a episódios tristes. Quantas pessoas já espancaram e foram espancadas por defenderem os seus direitos? Quantas pessoas se agridem nos estádios de futebol porque torcem por clubes diferentes? E por aí adiante. E se cada um tivesse uma “kalashnikov” na mão?
A minha quarta nota vai para os humoristas. Nunca, por momento algum, vos enunciei. Vou fazê-lo agora. Tenho um enorme respeito pelo vosso trabalho. Eu próprio, e até com aquilo que fazem a meu respeito, desde que haja comédia e não maldade, me farto de rir com a vossa criatividade. São precisos e bem-vindos, sobretudo num país que precisa de se divertir. Tudo o que fiz foi alertar para o risco de se mexer com convicções desta ordem. Se é o vosso caso, não sei. O que sei, e tal como todos já percebemos, é que nada justifica a perda de uma vida humana.
Como quinta e última nota, e sem qualquer sombra de ironia, gostaria de agradecer a todos aqueles que comentaram o meu “post”, sobretudo os que fizeram juízos de valor a meu respeito sem nunca me terem cumprimentado, pois deram-me uma excelente amostra do estado do nosso país. Existe uma enorme incongruência e insensatez por resolver. Num segundo censuram o não direito à liberdade de expressão, e fazem muito bem, mas no segundo seguinte já atacam, e de forma veemente, a própria liberdade de expressão. Não me parece um discurso equilibrado, no entanto, aceito. Gostaria também de agradecer os inúmeros telefonemas e emails que tenho recebido no dia de hoje e salientar dois pontos comuns que me parecem bastante interessantes: a vergonha alheia que se sente pelas opiniões que foram sendo escritas nas últimas horas e a quantidade de pessoas que teve a capacidade de assumir que pensam exatamente como eu, embora lhes falte a coragem para se afirmarem. Tanto uns como outros inspiraram-me. Obrigado.
Estou convicto de que, agora sim, fui claro.
Mas nem tudo correu terrivelmente mau para Gustavo Santos, que com este post ganhou milhares de fãs na sua página de Facebook.
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