Luís Osório escreveu um ‘Postal do Dia’ dedicado a Clara Ferreira Alves, jornalista, escritora e comentadora da SIC Notícias.
“Há muitos anos que me tento separar de Clara Ferreira Alves. Juro que tento separar-me de Clara Ferreira Alves, mas nunca consigo. Às quintas-feiras, no Eixo do Mal, consegue ser detestável de tão arrogante, de tão cínica, de tão convicta das suas indiscutíveis certezas. O modo como diz as coisas, como sorri desdenhosa, como parece moldar o mundo ao tamanho do seu ego. E quando apertada, ou irritada, diz o que lhe vem à cabeça e é irritantemente blasé – acredita (até por ser verdade) que a si tudo lhe é permitido, até errar clamorosamente e seguir na semana seguinte como se nada fosse. Lembramo-nos do modo como explicou as razões da derrota de António Costa horas antes de o PS conquistar a sua maioria absoluta. Ou da maneira como pensa sobre os temas fraturantes”, começou por escrever.
“Mas depois, às sextas-feiras, abro o Expresso e as crónicas da Clara Ferreira Alves são esmagadoras. Bem escritas, profundas, perfeitas. Pode escrever, como na passada semana, sobre o que lhe aparece na caixa de emails. Pode escrever sobre tudo ou nada, mas é sempre interessante, sempre uma viagem que nos obriga a pensar ou a caminhar por entre as suas vírgulas, os seus humores, o seu mundo, a sua cultura e tudo o que carrega. Não há ninguém que escreva crónicas assim em Portugal. No jornalismo ou fora do jornalismo, não há ninguém que consiga um compromisso tão bem feito entre a atualidade e a liberdade de existir para lá dessa atualidade. A sua agenda é a dela própria, das suas obsessões, preconceitos e valores – como se ela fosse a única pessoa do mundo e todos fossemos personagens do seu próprio filme. Uma arrogância que na escrita a transporta para uma dimensão de excelência. E nós com ela”, prosseguiu.
“Talvez seja um problema meu. Talvez mais ninguém sinta essa diferença, esse abismo. Às quintas-feiras, Clara Ferreira Alves é superfície. Às sextas, é profundidade. Às quintas, é ruído e azedume. Às sextas, é silêncio e pensamento. Às quintas, é primária e perde o controle ofendendo quem não pensa como ela. Às sextas, oferece-nos a possibilidade de alargar caminho. Às quintas, parece feita de raiva e cinismo bacoco. Às sextas, o cinismo e arrogância são instrumento de um estilo depurado e inatacável. Sim, talvez seja um problema meu. Mas todas as semanas tenho o mesmo dilema. Deixo-a ou continuo? A resposta é simples. Continuarei a lê-la, como poderia ser de outra maneira? Continuarei a lê-la e a espantar-me do que é às quintas e do que é às sextas. Do que é quando lhe ouvimos a voz. E do que é quando a lemos. O tudo e o nada. A rama e a profundidade. O ruído e o silêncio. O conhecimento e a superficialidade. A sabedoria e a soberba. Honra lhe seja feita, Clara Ferreira Alves é única“, rematou.