Luís Osório revelou o paradeiro de Fernando Mamede, de 72 anos, uma das maiores glórias do atletismo nacional e mundial.
“Fernando Mamede está em casa. Raramente sai, raramente tem a força suficiente para encarar os vizinhos, a sua rua, a cidade, o país. Está profundamente convencido de que apenas o recordamos pelos fracassos, por ser um falhado, por não ter conseguido nos momentos decisivos, por ter passado ao lado da glória quando parecia ter nascido para ela”, começou por escrever no seu ‘Postal do Dia’.
“Fernando está com a sua companheira de sempre. Que o amparou em todos estes anos, que o abraçou sempre que ele precisava de um abraço, que foi corajosa a enfrentar os cabos que a vida lhes foi colocando à frente. Mas também ela já não consegue. Foram tantos impactos, tantas ondas que a levaram para terra, tantas cambalhotas e feridas e tormentas que, desta vez, também ela não esta a conseguir. Quem dá um abraço aos que abraçam? Quem apoia os que apoiam? Quem se chega à frente quando os que se chegam à frente já não conseguem mais? Ocorrem-me sempre estas perguntas”, prosseguiu.
“Fernando Mamede foi um dos nossos maiores campeões. Recordista mundial dos 10 mil metros numa corrida épica, julgo que em Estocolmo. Quando estava bem era praticamente invencível e Moniz Pereira jurava que ninguém era como ele – nem mesmo Carlos Lopes, sendo mais completo, era tão poderoso”, recordou.
“Mas Fernando carrega a cruz de falhar nos momentos decisivos. De desistir quando todos achavam que desta vez é que era. De perder sem luta numa final olímpica que tinha a obrigação de ganhar por ser tão melhor do que todos os outros. Fernando carrega a cruz da responsabilidade, de achar que talvez tenha desiludido o seu mentor, de acreditar que desesperançou para sempre os portugueses”, lamentou.
“Quando o olham na rua, quando se aproximam, quando até parecem simpáticos, aposto que existe na sua cabeça a ideia de que no íntimo as pessoas recordam-no pelos tropeços e pela fragilidade e isso faz-lhe mal, puxa-o para baixo, rebenta-o por dentro. E a sua mulher, habituada a ser soldado contra as angústias, sente que mais nada pode fazer, que também a ela lhe apetece desistir da corrida. (…) Podes ficar em casa, conheço bem e respeito a depressão e todos os seus contornos, mas se ficares em casa que não seja por teres falhado a medalha olímpica e mais uma ou dias grandes competições, não faz sentido. Porque foste grande, foste um dos maiores. (…) Bolas, campeão, já chega de lágrimas. Levanta-te e ouve os aplausos deste país que te admira muito”, rematou.