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Violência doméstica na Madeira: “As vítimas não podem ser protegidas só quando há câmaras ligadas”. Mauro Paulino critica falhas na proteção

Psicólogo forense alerta que muitas vítimas nunca recebem apoio policial e que atenção mediática não pode ser o critério para a proteção.

A Polícia de Segurança Pública (PSP) da Madeira identificou um homem de 35 anos suspeito de agredir a companheira em Machico.

O episódio ocorreu na presença do filho do casal, de nove anos, e foi captado por uma câmara de videovigilância, tendo depois circulado nas redes sociais.

Nas gravações, é possível observar o suspeito a agredir a mulher, enquanto a criança tenta intervir para pôr fim à violência.

O tema foi debatido na SIC Noticias, com Mauro Paulino, Psicólogo Forense que comenta estes e outros casos nas manhas da SIC, deu o seu parecer, e sublinhou a desigualdade na forma como as vítimas de violência doméstica são protegidas “e a forma como a atenção mediática influencia decisões que, em teoria, deveriam ser universais”.

“Se calhar muitas das vítimas que agora estão em casa e estão a ouvir o nosso debate, a nossa reflexão, questionam-se porquê é que nunca tiveram a polícia à sua porta também a protegê-las”, começou por afirmar. Paulino não escondeu a sua estranheza pela presença policial em casos muito expostos publicamente, lembrando que “efetivamente não é algo que seja muito comum” e admitindo suspeitar “que talvez só o lado mediático tenha levado a esta decisão”, reforça ainda na sua análise.

Habitualmente, explicou, as vítimas são retiradas do seu contexto e colocadas em acolhimentos de emergência, longe da casa onde se sentem seguras. “Normalmente as vítimas são colocadas em acolhimento de emergências ou outro tipo de movimentações que as implicam, como disse o inspector César Afonso, retirá-las do seu lugar habitual de segurança, à sua casa, para serem transportadas para outro local.”

Ainda assim, deixou claro que não questiona a necessidade da proteção policial. “Eu não estou a dizer que acho isto mal. Aliás, devemos proteger a vítima. Agora, esta protecção das vítimas deve ser equiparada para todas as vítimas e não apenas para quando os casos chegam à comunicação social.

Mauro Paulino abordou o sofrimento da criança que surgiu em vídeo nos noticiários recentes. “Aquilo que se passa com esta criança, que nós ouvimos no vídeo desesperadamente, é aquilo que se passa com centenas ou até mesmo milhares de crianças por ano. A única diferença é que esta criança tem um vídeo, um vídeo que demonstra o sofrimento, o pânico, o medo, a angústia que ela passou.”

O psicólogo lembrou que os tribunais muitas vezes relativizam o impacto da violência nos filhos. “Esperamos que o Tribunal de Família e Menores tenha em atenção o sofrimento que este acto causou, porque diariamente ouvimos muitas vezes nos tribunais a dizer que ele pode ter sido um mau marido, mas foi um excelente pai, de que o facto de ele ter abatido a mãe não teve impacto nos filhos, quando estes filhos…” e deixa um certo apelo urgente à mudança de mentalidade e à necessidade de reconhecer a violência doméstica como um trauma que atravessa gerações.

Na parte final da sua intervenção, destaca a necessidade de reforçar a proteção de crianças expostas a contextos de violência doméstica, mesmo quando não existem registos visuais do sofrimento. “É importante que quem trabalhe nesta área, desde órgãos de polícia criminal até à magistratura, perceba que mesmo quando não existem imagens, uma criança pode estar a relatar o impacto que aquela violência teve e que isto tem impacto não apenas na infância, mas também na sua adolescência, na sua vida adulta e deixa marcas. Deixam marcas que têm de ser protegidas”, afirmou.

Destacou que esta proteção deve ser transversal e não se limitar ao processo-crime. “Esta proteção passa não apenas pelo processo de crime, mas também pelo processo de família e menores. Porque muitas vezes estes agressores continuam a exercer o seu poder e o seu ascendente para com as vítimas mulheres, adultas, através dos filhos.”

Mauro Paulino deixou ainda um alerta sobre a forma como os filhos acabam frequentemente instrumentalizados pelos agressores: “É necessário reconhecer estas dinâmicas para proteger também as crianças, que muitas vezes são aqui instrumentalizadas.” A violência doméstica não termina com o agressor afastado ou condenado.

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